Euforia, exaustão e água. Muita água
Dia 12 – Após perrengues estradeiros em minha última ancoragem em solo uruguaio, enfim encostei na fronteira com a Argentina. Tratei com a imigração, a aduana e cruzei a enorme ponte internacional em direção a campos argentinos. A recepção do outro lado? Chuvarada.
Mapas descalibrados
Gritos de euforia após a fronteira, mesmo abaixo de chuva graúda. Em Gualeguaychú, das primeiras terras do outro lado, uma parada para repor as energias em uma – comumente provedora – lanchonete de posto de gasolina. Adiante, a descer pisos, me aproximei das bandas portenhas, ainda sem dormir.
Tratei logo de me dirigir à Ituzaingó, cidade localizada na província de Buenos Aires, à meia hora da capital. Ali, seria recebido na casa da anfitriã Julieta. Cheguei até ela através de uma prima, a Abilene, que já residiu na capital argentina e lá fizeram amizades. Um Couchsurfing por fora. Mantive contato com a Juli desde o Brasil até o momento de tocar a campainha da sua casa.
Em meio a estes caminhos, completei 2000 km de viagem, já no segundo país do circuito. Mais uma vez, pleno e maravilhado pela disposição e especialmente grato pelas forças da pequena grande máquina por me trazer até aqui com segurança.
Sob cansaço intenso, o guia de mapas do Google me levou até o local desejado. Não, peraí. Desembarquei em Ituzaingó rua, já na capital, e não em Ituzaingó cidade, cerca de 30 km à oeste de Buenos Aires. Procura aqui, busca ali, carreguei o celular em uma pizzaria e aí, sim. Atinei que estava equivocado com os mapas. Joguei o percurso correto no Maps e enfim joguei âncoras na exata residência.
Embora íntegro ao final de um longo caminho, devo acrescentar o desmonte corpóreo de uma noite sem dormir. De um extenso trecho de estrada sem o devido descanso. Jogos insanos de sono sobre a moto. Paradas em acostamentos para retomar o fôlego e minimamente afiar a atenção. O que não mata, fortalece e ensina.
Bruno, solta minhas meias! Bruno…
Ao adentrar o pátio, toda boa recepção da dona Mabel, mamãe do pedaço, solícita e carinhosa como poucas; da Camila, a irmã mais nova, sagaz e talentosa fotógrafa; da Luci, amiga da família, afetuosa e nata comunicadora das bandas de Córdoba; e, por fim, da querida Julieta, com quem tratei pouso, amável e competente na arte da marcenaria. E o Bruno, claro, pastor-alemão de dois anos, enorme e cheio de energia, um travesso completo.
Com todas as roupas molhadas por conta da recepção chuvosa ao adentrar o país, quando enviado ao banho, dona Mabe logo tratou de consertar esse infortúnio. Trouxe camisetas, calções e até cuecas do armário de seu falecido marido. Um luto certa feita recente. Me peguei constrangido pela intromissão. Envergonhado, apesar da insistência – até mesmo para que ficasse com as peças de roupa. Coisa que, no final, ao partir, não tive coragem de levá-las comigo. Tamanha audácia de minha parte, imaginei.
No entanto, no exato momento em que minhas roupas eram postas na máquina, não poderia negar a vestimenta – de bom gosto e bem conservada, por sinal. Devidamente à mesa, as gurias até elogiaram o vestuário, ao me prepararem comida.
Dose de Yoga, magistral adormecer
Dona Mabe saiu de férias com amigas no mesmo dia, a descer caminho ao litoral de Mar del Plata. À noite, ainda sem dormir, me dirigi a uma aula de Yoga com a Juli. Minha estreia nestes campos. Novato em misticismos orientais, pouco mais adaptado aos movimentos corporais, dos quais, ao final, cheguei a pegar no sono, tamanho relaxamento. Mais tarde, janta coletiva com mais amigos das meninas, regada de arepas, nachos e suco de limão.
No outro dia seria vez de irmos à capital federal para apreciarmos um evento musical, em um espaço mais que propício, chamado Konex. Boas descobertas da música argentina. Neste mesmo dia, à noite, fui com as gurias conhecer um charmoso bar cervejeiro, localizado no Hipódromo de Palermo. Regressos à casa. Na próxima manhã, sim, minha vez de recorrer a capital com a motoca.
Em terra de Cortázar, brasileiras reverências
Todas as andanças tradicionais de quem estreia na grandiosa cidade dos portenhos: Malba, Casa Rosada, Plaza de Mayo, Puerto Madero, Ateneo, entre outras, que só recorri de passagem, como o Cementerio de la Recoleta, Floraris e Barrio Chino.
Avenidas largas, tranquilas (por se tratar de um domingo), com arquitetura graciosa e muitas outras atrações para percorrer em uma próxima oportunidade, como um roteiro futebolístico, literato ou fílmico – riquezas aprazíveis dos nossos irmãos argentinos.
Esta última rota estava prevista em meus planos, principalmente através de uma seleção de locações de filmagens dos filmes do ator Ricardo Darín, porém o pouco tempo encurtou meus caminhos. Ainda neste domingo, fomos todos juntos, mais uma vez, a um evento gastronômico da cidade de Ituzaingó, lotado de food trucks, feira artesanal e música.
E a fatídica hora de deixar as meninas chegou. Mulheres amáveis e dispostas, com sua casa elegante, conversas ativas e pouco compreensivas a um brasileiro de pouco portunhol. De grão em grão prossigo rumos nesse vocabulário, tão vibrante idioma. Na América Latina, não falado apenas por espaços brasileiros.