Acasos e desencontros

Dia 11 – Deixei Montevidéu e me encaminhei à Colonia del Sacramento, onde fiquei por pouco tempo. Suficiente para conhecer a argentina Nadia e sua mesma Intruder 125cc – que pelas bandas castelhanas se chama GN. Ela ia fazer o trajeto Colonia/Buenos Aires de embarcação. Com apetrechos desmontáveis armou um mate em dois toques.

Tomamos umas cuias com empanadas e nos despedimos. Parti à cidade de Fray Bentos, onde se localiza a ponte internacional mais próxima que liga à Argentina através do Rio Uruguai. Desde Montevidéu, absorvi estradas de ventos hostis. Uma sensação estranha de frio contínuo durante todo o caminho. E em direção a Fray Bentos, nada mudou.

Duas rodas, bagagens e desventuras

Da capital à Fray Bentos foram mais de 400 km com uma só parada em Colonia del Sacramento. Com hospedagem já confirmada em Fray Bentos, acabei saindo de Colonia mesmo próximo do anoitecer. Em pouco tempo colhi o que previa e me angustiava: longo trecho de noite na estrada. Com o farol de fósforo da moto para noites com pouca iluminação – ou simplesmente obscuras, como foi boa parte do trajeto -, tive de me indireitar na rabeta de caminhões durante quase todo o caminho.

Preocupações e medos afiados até desembarcar na cidade, sobretudo de baixo de chuva. Lá, perdi a conexão com a anfitriã e acabei sem lugar para dormir. Com pouco dinheiro no bolso, não obtive êxito nos saques. Baixo nível de combustível e bateria do celular no fim.

Sem êxito na localização da hospedagem, abaixo d’água, encostei em uma hamburgueria, no fim do expediente. Passava das onze da noite. Ali, tentei informação sobre minha anfitriã. Tinha o nome da rua e o número da casa em mãos, porém não encontrava o endereço de forma alguma. Os donos da casa de lanches trataram de me providenciar carga à bateria do celular, o suficiente para me livrar de maiores apertos.

Saí circular as ruas outra vez, em uma última tentativa de encontrar a bendita casa – devido ao horário tardio, fui informado, no outro dia, que minha anfitriã acabara dormindo, e por isso não atendeu minhas chamadas, tampouco mensagens.

Ela é sobrinha do Juan, aquele sênior de barba longa e acinzentada que conheci em Montevidéu, ao lado do carioca Eduardo. Informei a ele que passaria por Fray Bentos e ainda não tinha pouso. De pronto ele solicitou espaço à sua Florcita. Por fim, descompasso e sincronia distorcida. Ao menos me restou a atenção redobrada em tentar não repetir o feito.

Único refúgio deposto de luzes

Resultei em um refúgio rodoviário. Chuva e mais chuva, queda de energia ‘somente’ na estação de ônibus. Restos de amendoim e meio alfajor para curtir as escuridões do relento no meu último roteiro de Uruguai. Não fosse um pancho caprichado de um trailer, antes de me deslocar à estação de ônibus, estaria encrencado de vez. Moral: planejas bem o teu dia antes de sair de “hostel”. Há momentos em que as ideias e expectativas literalmente saem dos eixos, passeiam pelo acostamento e se perdem em devaneios sem fim.

Além disso, na vã tentativa de me escorar nos bancos de espera internos da rodoviária, uma funcionária de pronto me proibiu. Sem conseguir dormir, esperei o dia amanhecer para cair na estrada novamente, pois na tarde do dia seguinte, tinha planos marcados além da fronteira. Às seis em ponto, ainda sob águas, subi na Mochileira para continuarmos a saga até cruzar a ponte em sentido à Argentina.

Teria de percorrer até Buenos Aires em um só tiro, ou seja, seriam mais de 700 km sem dormir, pois outra anfitriã já me esperava na capital portenha.