Costeando o litoral uruguaio

Dia 05 – O Uruguai e suas faces luminosas. Saí de Punta del Diablo no início da tarde e regressei à cidade de Castillos, detentora do Parque Nacional Santa Teresa – onde a chuva do dia anterior havia me bloqueado passagens. Recheado de maravilhas naturais, ironicamente o parque fora pensado para proteger uma construção de pedras, a Fortaleza de Santa Teresa, um dos principais pontos de visita no local.

Essa feitura imponente em meio à milhões de árvores, data do século XVIII, erguida com intenções de guarnecer a banda uruguaia de invasões espanholas – e até brasileiras -, de norte a sul. No interior, armamentos da época, como espadas, revólveres, canhões. Memórias de tortuosas guerras. Ainda antes de quando esteve abandonada, quase coberta pelas areias dos infinitos ventos litorâneos, a Fortaleza já se valeu até de presídio. Resgataram suas estruturas ao tomá-la como Monumento Histórico Uruguaio.

Feita a vistoria do estimado atrativo de pedras e vastos gramados, de sua arquitetura em formato de contenções, seus museus e um pouco mais dos registros históricos desse lugar atraente, parti para Valizas. Umas boas olhadas no pueblo, carregado de rusticidade, feiras artesanais e muita comida de rua. Sem contar que estava difícil de encontrar minha reserva para pouso.

Depois andar várias vezes em círculo, percebi que não conseguiria acessar o local com a moto. Tanto que em meio às areias do lugarejo, tateei por novas possibilidades. No acesso de volta à estrada, reservei um novo rumo, na praia de La Paloma. Meu segundo sono compartilhado em solo uruguaio.

Cálculos aproximados, prévios receios

Após alguns erros de rotas, fui presenteado com demasiadas preocupações com o cálculo de combustível no tanque da moto, que não possui marcador. Após vários calafrios, consegui atracar nas lindas terras de La Paloma. Primeiramente no primeiro posto de gasolina (nafta por aqui), esvaziando os ares de um medo danado de que houvesse uma pane seca. Afinal de contas, ainda me havia pouco mais de um litro no reservatório.

Logo depois, desarmei mochilas na hospedaria e fui ao preparo da janta. Aliás, um point mais que especial. Um hostel de grandes energias, hóspedes de toda América do Sul e estrutura formosa. Ali, conheci o Rodrigo, paulista, que roda o continente com seu talento musical.

À noite, antes de colocarmos os pés na rua para irmos à feira de artesanato do balneário, fomos atraídos com um delicioso incremento da casa: música ao vivo. Formado acústico, sonidos regionais, cantora sutilmente performática. Moça de voz potente e macia, acompanhada de um violonista. Mesas a postos, cadeiras ocupadas e luz baixa. Minhas reverências às milongas.

Na manhã seguinte, recém desperto e de arrumes no quarto compartilhado, conheci o Malcon, argentino de Rosário. Professor de direito e motoviajante minimalista, com sua Honda 125cc e toda boa onda que se possa imaginar. Estávamos ambos de despedida do local. Mas não sem antes nos dirigirmos boas risadas no pátio verde, de papo sobre a vida, o mundo, em cima de nossas motos. E o que mais pudéssemos absorver em alguns poucos minutos de reciprocidade. Ótimas trocas e uma grande estima por essa galera que têm fome de estrada e ganas de vida.

Caminhos distintos, sincronia horizontal

No check-out, me vi mais uma vez entristecido pelas despedidas das distintas pessoas que a estrada proporciona. O professor Malcon iria de visitas ao balneário vizinho de La Pedrera, e eu de rumo para Punta del Este. Saímos juntos até uma parte do trecho, onde uma bifurcação nos distinguia caminhos. Sacamos fotos, vídeos e potentes saudações. Nos dividimos em asfaltos, mas nos unimos em ânimos. Afinal:

“A estrada é como um campo de claridade, lugar de absorção e crescimento…”. (Palavras gerais do professor Malcon, senhor dos ventos e das boas aventuras)

Saudades para trás. Outras alegrias à frente. Assim é a vida: deixamos um punhadinho de nós por onde passamos, e seguimos adiante para colhermos outros grãos de raridade.