A adrenalina vertiginosa

Vencer um Pulitzer de biografia é quase pouco. O jornalista e surfista William Finnegan nos presenteia com uma ode ao espírito aventureiro. Em ‘Dias bárbaros – Uma vida no surfe’, somos elevados a mais pura ânsia pelo desconhecido.

Um pico chamado coração

De família itinerante, William viveu em diferentes lugares desde a infância. Nova Iorque, Califórnia, Havaí. E foi nos picos do arquipélago em meio ao Pacífico Central que ele aprendeu as lidas e filosofias do surfe. Das ilhas do estado, cada costa era um novo chamado.

De pico em pico, onda a onda, Finnegan aprendeu a remar contra a maré – literalmente. Ao optar por uma vida à parte do capitalismo tradicional, ele entregou-se às rédeas da natureza e tudo o que implicava em ser adepto de um dos esportes mais perigosos do mundo. E isso inclui afastamentos “forçados” da família, relacionamentos, amigos.

“O surfe tinha esse limiar, esse limite do medo que o tornava diferente das outras coisas. As ondas eram o campo do jogo. Eram a meta, o objeto de sua devoção e de seus desejos mais profundos”.

Filosofia como base, política como essência

Se engana quem suspeita que o livro recheia-se com aspectos não palpáveis aos leigos em surfe (como este que vos fala). William nos oferece aparatos necessários para o entendimento – quiçá uma descida até o pico mais perto de nossas casas para avaliar as ondas com mais atenção, talvez até a uma loja de surfe ou uma rápida pesquisa em sites com classes do esporte na faixa de areia mais próxima.

Até a capa de Dias bárbaros nos remete a uma prancha, com textura que lembra algo de áspero, uma certa mistura do material à base de vidro (entre outros), utilizado na fabricação, com a parafina necessária à aderência dos pés. E, afinal, como as ondas são formadas? Todas as costas proporcionam ondas surfáveis?

“Ondas surfáveis se formam da seguinte maneira: uma tempestade em alto-mar agita a superfície e cria ondas capilares – ondulações desorganizadas menores e, em seguida, maiores, que se misturam, com vento suficiente, em mares fortes…

Sinta a areia, trabalhe a respiração e vá

Em meio às ondulações marítimas, William nos ensina que a ocupação básica de um surfista em sua natividade, é acompanhar estreitamente a corrente, cada canto, até as rochas individuais e todas as combinações de maré, vento e swell.

“Todos os espectros produzidos por uma tempestade formam o que os surfistas chamam de swell. Quanto mais poderosa a tempestade, mais longe o swell vai viajar. Quando as ondas de um swell se aproximam da costa, as extremidades inferiores começam a sentir o fundo do mar.

Finnegan faz questão de destacar que, em picos complexos, esse estudo detalhado da própria costa estimada é um trabalho infindável, de uma vida toda. É necessário compreender as ondas, e essa iniciação é fundamental para quem quer colocar os pés na água.

A nostalgia é alça de mochila

As ondas que se aproximam da praia curvam-se em resposta ao relevo do fundo do mar. Em geral, ela quebra quando sua superfície alcança 80% da profundidade da água – uma onda de um metro e sessenta vai quebrar no mar com dois metros de profundidade”.

As melhores ondas nas mais variadas costas mundo afora, profundas amizades, relação íntima e intensa com a água e com os povos em torno de cada faixa de areia folheada em seus mapas. Uma viagem interna e externa pela alma humana.

O caminho principal é o surfe, mas as estradas e ruas paralelas e secundárias são parte essencial destas páginas – por vezes e costumeiramente interligadas ao conteúdo das ondas. De fato, um mergulho profundo.

Do ocidente à Ásia. África: sala de aula

“O verão é parte da iconografia popular do surfe. E, como grande parte dessa iconografia, isso está errado. A maioria dos surfistas, na maior parte dos lugares, ao norte ou ao sul do Equador, vive para o inverno. É quando ocorrem as grandes tempestades, normalmente em latitudes mais altas. Elas trazem as melhores ondas”.

Américas, Europa, Ásia, África, Oceania. História. Docência. Social democracia. Jornalismo em tempos de guerra – e em meio à guerra. Acampamentos selvagens e sublimes viagens regadas em autoconhecimento. A cada braçada nos relatos de William, um reforço às musculaturas e às remadas da vida. Ainda há dúvidas? É hora de dropar.

Curioso para se infiltrar nesse mundo hipnotizante do surfe? Aqui tem mais caminho para te auxiliar na busca pelo seu eu aventureiro.