Lirismo em meio à crueza das lidas

Nas páginas de ‘Andarilhos’, do escritor gaúcho Rodrigo Tavares, o homem rude também floresce a alma em pranto. Pelas estâncias do pampa, há friagem, estranheza de caráter, mas também há personas genuínas.

Seu protagonista, Pedro, vive da doma de cavalos – uns mais mansos, outros mais febris. Destina-se ao andarilhar pelas planícies do Sul a chulear trabalhos temporários e sobreviver à vida de incertezas.

No bem tramado de Tavares, a polivalência do homem campesino em teste de sua própria capacidade de resistir. Vive-se um dia por vez, o que por si só exausta qualquer andante na busca pelo seu pedaço de sol e sustento. Contudo, é nas canções milongueiras o paradeiro certeiro do coração amargo. Dentre as melodias das guitarras gaudérias, o leve adocicar da vida andante, simples e árdua.

Destino: latinidades

De referências aos mestres rio-grandenses Sergio Faraco e Simões Lopes Neto, quanto às rédeas e asperezas do interior gaúcho. Do inigualável Juan Rulfo, sobre as imposições do clima e rusticidade de personalidades. Até cutucar em algo da magia hipnotizante de Gabriel García Márquez.

O “continente”, descrito como um só, ao menos aos olhos latinos, divididos nós que somos da abastança e imperialismo norte-americano – inclusive, pela diferença da língua falada. De outra forma, há o espanhol, que, apesar de ligeiro e intrincado, ainda é compreensível ao Brasil, único país de idioma à parte em toda América hispânica.

Quando Dante Ramón Ledesma canta “América Latina, Latina América, amada América, de sangue e suor”, Galeano ecoa como nunca em nossos ouvidos. De Sepé até os quilombos, os caminhos das cavalgadas do livro de Rodrigo cruzam a história de outras gentes oprimidas e nos faz pensar no hoje. Afinal, as coisas não mudaram tanto.

Mate, fogueira e sanga

O camarada Pedro percorre os chãos desse Rio Grande rústico, lá do início das bandas do século passado. Em meio aos seus causos, peleias e um amor muy difícil, povoa, junto ao amigo João, e sob a ótica estrangeira de um francês, todos os aspectos da vida errante do gaúcho do mato. Nos bolichos, a irreparável companhia do vinho, da prosa e da canha.

Todavia, o homem não deixa de encarar as façanhas mais doces das relações ligeiras, tanto proveitosas, encontradas em cada viagem junto ao seu sempre companheiro de andanças, o cavalo Penacho. Sobre a planície e o sol abrasador destas terras austrais, a solidão é só mais um tempero. O mate amargo, as fogueiras e as sangas permeiam o tempo e acalentam a alma.

“A lua foi ganhando céu, e o vento levou embora a tormenta. O cheiro das comidas, da canha temperada, dos arreios suados, inebriava os viventes que, naquele momento, dividiam a mais simples e terrunha das comunhões – a amizade e o companheirismo sincero dos que têm pouco ou quase nada a oferecer”.

Eu mesmo, gaúcho da serra, uma geografia que nos “isola” das planícies do Rio Grande, fui criado alheio às pilchas. Porém, tenho profundo apreço a estes costumes tão nobres da tradição. Simplicidade em meio à natureza, receptividade ao nômade e vida modesta. Meus saudosos avôs, gaúchos raiz, de bigodão e lenço no pescoço, (também) leriam estas páginas com muito gusto.

Vem comigo, aqui tem mais pouso literário.